domingo, 3 de outubro de 2010

Memórias de I: Matemática - Parte 1

Hoje eu fiz como faço todas as manhãs: abri as janelas, liguei o som, me alonguei, olhei o sol... Sol?! Mas que Sol? O céu está mais cinzento que fuligem...Faz lembrar quando eu tinha meus treze anos e estava começando o colegial. Naquela época o Rio de Janeiro podia ser confundido com outro Rio, o Grande do Sul, de tão frio que estava. Ao cair da noite um denso nevoeiro cobria boa parte da cidade, de um jeito que, mesmo que o prefeito colocasse o Sol para iluminar o Cristo Redentor, não conseguiríamos ver nem os degraus da escada. De manhã cedo, entre seis e sete horas da manhã, ficava tão escuro quanto a noite. Era frio, frio mesmo.
O despertador havia tocado por uns dez minutos naquela manhã escura de Quarta-feira. E eu não havia se quer me mexido na cama. A mãe veio com aquele jeitão dela: cabelo desgrenhado, cara amassada, hálito de urubu, robe rosa acolchoado e uma vassoura de piassava nas mãos. Parecia que ia varrer a gente da cama com seus gritos estridentes. Digo a gente porque não era somente eu quem não acordava com o despertador. Meus irmãos, até o meu pai, não acordavam também.
Depois do “espetáculo já cedo”, era assim que meu pai chamava a vassoura da mãe, tomávamos o café da manhã. O pão francês de Seu Branco, que a cada dia aumentava de preço e diminuía, na mesma proporção, de tamanho. O café com leite. O choro chato do caçula com fome, enquanto o terceiro de nós oferecia a mamadeira.
Naquela casa grande, de um pavimento e toda pintada na cor gelo, morávamos: meus três irmãos, meus pais, a avó Docinho e eu. Pois é, o nome da minha avó era Docinho, mas de doce ela não tinha nada. Começava o dia de cara amarrada e jeito de general, distribuindo as tarefas domésticas entre nós. Meu irmão mais velho vivia insistindo para que a mãe contratasse uma empregada. A mãe respondia com uma pergunta: “Pra que se vocês dão conta?”.
Voltando a minha história, era uma manhã escura de Quarta-feira. No primeiro tempo aula de matemática, com a professora mais discreta do mundo. Seu vestido branco com enormes peixes coloridos e a sandália verde-lima eram a sensação do colégio. Mas o seu jeito de dar aula era uma tortura. Creio que não gosto de matemática por conta dela. Imagine a minha vontade de assistir aquela aula. Precisava dar um jeito de fugir.
>> Continua <<
(1999/2000)

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